segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Lugares Comuns


Os seres reunidos em tabletes de madeira.
Jogam no ar, sons emitidos, verbetes do cotidiano,
em geral roto, esdrúxulo, comum.
Seus parcos alimentos, vorazes, satisfazem-nos, momentâneamente.
Seus rostos, únicos, peculiares, confundem-se com as iguarias indefinidas, com seus assuntos, zumbidos inaudíveis.
Os movimentos autômatos demonstram, o quanto há...lugares comuns, num rito de alimentar-se, de um sábado qualquer.

(Joaquim Lima, Mikado. 19/10/13)

Restaurante Mikado


Talheres trincam. Sobem e descem vagarosamente. Pratos fartos procuram um repouso sobre a mesa. Sábado, sol, calor, dia atípico na cidade. Criaturas borbulham ideias. Conversas se misturam tornando-se uma só. Minha mente vaga em nada foca. Engrenagens travadas que necessitam de uma boa lubrificada ou, de uma boa dormida. E por hoje é só.

(Caroline Lemes, Mikado. 19/10/13)

sábado, 2 de novembro de 2013

Um amigo no Mikado


– Vamos almoçar no Mikado?
– O que tem lá?
– Comida oriental, tipo vegetariana...
– Não sou bicho pra comer mato!
– Mas, no Mikado também tem peixe e às vezes frango, empanados no gengibre. Que tal?
– Uiii! Gengibre?! Tô fora!
Contrariado com a ideia do restaurante, meu amigo acabou aceitando o convite para o almoço, para não perder a amizade.
Foi para o Mikado, na dúvida se lá perderia o estômago.
...
A comida do Mikado é uma mistura de paladares diversificados. O cardápio variado é tradicionalmente o mesmo há mais de uma década, ou melhor, duas! ( conforme me informaram depois de concluir o almoço e já no final desta crônica).
É fato que a ideia de uma comida mais natural, VEGETARIANA, não agrada a todos, inclusive ao meu amigo, que cauteloso, resolveu começar pela salada. Afinal, alface e tomate já eram velhos conhecidos e o que não conhecia, podia passar sem.
– Mas e o tempero? Cadê o tempero? Procurou.
– Põe shoyo com gengibre que fica bom. Sugeri.
– Gengibre, ah gengibre...você está querendo me matar? Cadê o vinagrete, o azeite, o sal... Não tem comida pra gente normal?
Vendo que a coisa ia longe, deixei que meu amigo com o ajuste de sabores, afinal a vida é um constante ajuste de sabores, e fui procurar uma mesa.
Sentei-me junto às violetas na janela do segundo piso, como invariavelmente faço desde que conheci o Mikado. De lá pode-se avistar toda a quadra da rua São Francisco, onde fica o restaurante.
O amigo sentou-se em seguida. Deglutiu a salada, com shoyo mesmo, SEM gengibre e, sob protestos, aceitou arriscar-se num missoshiro.
– Missoshiro? O que é isto? Por acaso eles cozinham japonês aqui?
Algo estranho aconteceu quando meu amigo ingeriu o primeiro tofú do seu missoshiro: O monte Fuji, do quadro da parede à nossa frente, começou a derreter.
– Olha lá! Eu vi! Escorreu uma gota no canto. Tá derretendo! Que diabos botaram dentro deste misso sei lá o que tiro? Tem alguma coisa neste queijo aguado que está me fazendo ver coisas...
A esta altura, o restaurante lotado, parou e em peso, caiu na gargalhada. Todos voltaram os olhares para o Monte Fuji e, é claro, para o meu amigo.
– Olhe, olhe! Vi mais uma gota correr. Insistia ele.
No olhar do meu amigo, o próprio monte Fuji estava bem ali, à nossa frente, derretendo sob o verão quase tropical de Curitiba.
Misterioso é que, para espanto geral, a ilustração vertia mesmo água pelos cantos.
Seria de fato o efeito do tofú no missoshiro?
Perguntamos ao Cassio Shimizu, que estava na mesa ao lado e, nem do alto da sua ancestralidade oriental ele soube explicar o fenômeno.
Até o seu Kenji e a dona Mishiko, donos do Mikado, sairam de seus tradicionais postos, no caixa e na cozinha do restaurante para ver o que estava acontecendo.
– Ah... então é isto? Disse seu Kenji com uma calma zen.
– Marido, precisa chamar logo o encanador, né? Senão no próximo inverno não teremos mais Monte Fuji nesta parede, hi, hi, hi...

Nota: Descobri que o restaurante Mikado significa “porta sublime” e é uma homenagem ao Imperador do Japão. O restaurante tem a idade do meu filho. Fui muitas vezes com ele na infância e sempre que posso passo por lá para recompor minhas energias, com uma comida sempre viçosa, saborosa e quentinha, feita com a mesma qualidade. O Mikado é um daqueles lugares que a gente se sente em casa) 


(Cláudia Gutierrez Santana, Mikado. 19/10/13)

Aniversário do Vinícius, onze e meia da manhã


Hoje seria aniversário do Vinícius de Moraes, o boêmio notório, diplomata e outros etcéteras famosos. Combinei com um amigo de comemorar como o próprio Poetinha faria: com muita bebida e festa desmedida. No entanto, o começo do dia acontece num almoço em um restaurante que justifica a fama de oferecer opções saudáveis de comida.
Assim como sabemos que vivemos através de paradoxos mais ou menos relevantes, sabemos também que "uma cerveja antes do almoço é muito bom pra ficar pensando melhor", e em matéria de cerveja gelada o Nakarocha, 100 metros para cima do Mikado na rua São Francisco, centro histórico de Curitiba, nunca decepciona. Uma garrafa de 600ml, ou long neck de adulto em outras palavras, dá o tom do encontro com amigos que, como eu, também devem ter festado na noite anterior, e também pensado que 11h30 de sábado é muito cedo para qualquer coisa. Mas seria pouco nobre sofrer com este drama, o de acordar "cedo" no sábado. Melhor sofrer com a ideia, quase piada, de que a comida daqui é boa demais para ser tão saudável.
Hoje, ainda, contamos com a companhia de duas moças que usarão este encontro para fins acadêmicos. Elas escrevem mais que a gente, fotografam mais que a gente, pensam mais e, talvez, melhor que a gente, mas comem menos que a gente, o que causa estranheza, já que estamos num local de excelência da alimentação. Este fato constitui um outro paradoxo, suponho, mas é só isso mesmo o que fazemos nessa vida, neste restaurante ou em qualquer outro lugar: supomos. Pelo menos é o que acho.

(Marco Antonio Santos, Mikado. 19/10/13)

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Almoçando com criaturas


Penso o quanto me custa esse almoço com as criaturas. Não falo das notas de papéis pintados e moedas que trago no bolso. Mas o quanto da minha criatura em si, estou pondo aqui. Bem, penso que toda ela. Mas sou introspectivo, e no meio de criaturas estranhas costumo silenciar. Às vezes tento um sorriso, tímido. Outras, tento entrar no coro. No ligeiro movimento dos olhos. No balançar das cabeças. Simulo. Lembrando que mesmo na simulação, não se deixa de ser quem é. No silêncio estou de comunhão com todos. Na fala arrisco o desacordo. Como veem, não sou das criaturas fáceis. Carrego em mim múltiplas criaturas. E me pergunto se vocês, meus companheiros, sabem que tipo de criaturas são. Espero que saibam, se não onde mais estariam essas tais criaturas crônicas.

(Carlé Cadu, Mikado. 19/10/13)

Maneki Neko


As tigelas vermelhas continuamente cheias com o missoshiru dão ideia do movimento em seu auge, na fila do buffet um tanto diferente. Crianças, idosos, famílias, casais. Uns já satisfeitos, outros querem mais. O público também varia.
Um monte Fuji acompanhado de letras garrafais JAPAN denuncia a ação do tempo, desbotando num canto da parede. De quando em quando um funcionário percorre as mesas com olhar clínico, em busca de problemas pra resolver. Alguém lhe pergunta, afinal:
– Qual o significado do nome “Mikado”?
Talheres famintos e burburinho contínuo tomam conta da atmosfera do restaurante. A cena parece de um filme japonês, mas o clima zen que a decoração poderia sugerir se dilui na pluralidade das pessoas.
No andar debaixo, a situação se complementa. Uma cliente reclama porque o chá verde acaba sempre na vez dela. Com disciplina e calma orientais, alguém a atende, retira os pratos das mesas vazias. No caixa, uma funcionária acerta as contas. Um gato dourado de plástico acena com a pata continuamente.
– Como se chama esse gato, mesmo? – arrisco a pergunta.
Ela demora um pouco pra entender, e preciso repetir as palavras mais de perto, mais alto. Diante de seu sorriso, que qualquer idioma compreende, nem tento explicar a confusão seguinte, e acabo “perdido na tradução”. Só ali me dou conta de que ela não fala um português fluente, e recebo a curiosa resposta carregada de sotaque:
– Chama sorte, chama dinheiro...

(Vino, Mikado. 19/10/13)

Mikado


(Cassio Shimizu , Mikado. 19/10/13)

Sobre cachorros e triângulos


O Bar Mignon não é o Bar Triângulo. O Bar Mignon é o que fica ao lado, discreto. Não possui placa de neon. O cachorro de neon é do Triângulo. Aliás, são dois. Um maiorzão com vina na boca e o pequenito, mostrando a língua.
O azulejo do Mignon é azul e do Triângulo, vermelho.
Apesar de viver na sombra do neon do irmão, a placa do Mignon é muito mais fofinha. E tadinha, sempre escondida por trás de um toldo.
Enquanto o Triângulo promove uma explosão informativa, com banners de “Frango a Passarinho”, “Filé de Pescadinha”, “Carne de Onça”, “Costela no Forno”, “Dia de Feijoada”, o Bar Mignon possui um único e humilde cartaz – escrito com canetinha: Temos Quentão.
Até a roupa do garçom do Triângulo é mais pop: vermelha, enquanto os tiozinhos do Mignon vagam discretamente, com visual retrô – preto e branco, entre as mesinhas roxas.
O Triângulo é claramente mais exibido, piscando neons e urrando ofertas. Mas para mim, o Bar Mignon é que é esperto. Usufrui da publicidade do brother, e oferece um ambiente intimista. Qualquer pessoa sabe onde fica o Bar Triângulo – na XV, o da placa Neon. E o Bar Mignon? Está logo ao lado.

(Fabiano Vianna, Bar Mignon. 09/10/13)

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Pessoas engarrafadas


Pessoas, pessoas , pessoas. 
Pessoas passam e nem todas são Pessoa.
Pessoas buscam a liberdade. 
E, daí divide-se a vida em duas metades, uma que pesa mais que a outra que alivia.
A primeira, é gasta para engarrafar-se de coisas.
A segunda, para tentar desengarrafar-se antes que a última gota entre pelo gargalo e... bau, bau! A vida acabe de vez.
Ah, o Pessoa...Soube bem se desengarrafar nas letras garrafais de sua poesia.
Já as pessoas, engarrafam-se, engenhosamente, em invólucros metálicos, hermeticamente fechados, chamados de carros. 
Os carros engarrafam.
Fico a me imaginar, desengarrando minhas letras: “Navegar é preciso, viver...nem é preciso”!
Desdesejo este engarrafar metálico que faz perder a alma de si mesma.
Alma asfixia em vidros hermeticamente fechados.
Nada de garrafas que precisam de sinais de alerta para localizr pessoas em seus próprios desertos. Faróis, ilhados em meio ao pixe endurecido.
Cheguei aqui, hoje, dentro de uma destas garrafas e começo a tirar a rolha que aprisiona a minha alma voadora.
Chego quase tarde, mas ainda é cedo para o fim da segunda metade. 
Há tempo.
Ainda é cedo. 
Falta um oitavo de tempo para o fim deste dia. 
É pouco.
É muito.
Há tempo sufuciente para beber uma Malzebier requentada e comer uma batata frita fria onde o cachorro, suspenso por um triângulo luminoso, já não late mais.
Esvazio a garrafa. 
Fica o vazio.
É...a vida em g
arrafas pode ser mesmo um copo vazio, abandonado na mesa da noite na rua XV.

(Cláudia Gutierrez , Bar Mignon. 09/10/13)

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Entre o relógio da rua XV e a boca maldita


Em frente ao relógio central da rua XV entre os sons dos estalos dos calcanhares que voltavam às suas casas, qualquer ruído era silêncio perto do turbilhão que é pensar em algo para ser dito. Suportava um hálito de cigarro e um papo sobre qualquer coisa que tanto podia ser Foucault quanto Tati Quebra-Barraco. Em Curitiba, tudo tanto pode ter um ar pedante quanto sincero. Era como o bar que os acolhia com suas mesas planejadamente desorganizadas sobre a rua, feito um boteco, mas o preço era para turista. E a cada chopp o turbilhão se acalmava. As mãos já não estavam mais presas ao bolso e as pernas mais abertas. Quase podia soltar uma risada menos tensa e ideias mais soltas. Quase podia se juntar aos ruídos da rua XV. Quase podia se afastar do relógio sem precisar passar pela boca maldita. Foi quando uma figura de negro os interrompe:

Amigos, a saideira.

A verdade é que em Curitiba o bar fecha no quase.

(Nina Zambiassi , Bar Mignon. 09/10/13)

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Como um macaco



A noite estava linda, e os olhos daqueles que passavam na frenética Rua XV pareciam brilhar de um jeito incomum. Tomava um Chopp num bar com meu amigo. Ele parecia feliz, até que sua caneta caiu. O amigo desesperou. Embrenhou-se numa busca desenfreada pelas pedras do chão que luziam sob a luz de neon. Apalpava com cuidado as deformidades terrosas daquele chão. Esquecera os óculos em casa, o que tornava ainda mais difícil sua missão. Nada de caneta.
De repente viu-se no meio da rua explorando as solas dos sapatos dos transeuntes. Continuava tateando o chão enquanto passavam apressadamente com suas preocupações e aflições. Deve ter recebido de quatro a sete chutes ao todo, mas ele não se importou. Esqueceu-se da caneta. Aos poucos estava gostando da ideia de andar daquela forma, sem ter que enfrentar os rostos das pessoas. Via os pés das moças, os sapatos dos executivos e os tênis esfarrapados dos mendigos. Apaixonara-se pelos pés.
Percebeu que não precisava mais andar como haviam lhe ensinado. Voltou aos tempos de criança. Redescobriu sua inocência fazendo-se pequeno. 
No dia seguinte acordou e começou a engatinhar novamente. Veio o segundo, o terceiro e o quarto dia e não parou mais de andar daquela forma. Redescobriu sua humanidade andando como um macaco.

(Gustavo Ramos , Bar Mignon. 09/10/13)

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Segue o baile


Do outro lado do balcão, a louça é lavada continuamente, as bebidas e os pratos são preparados. Desse, os assuntos variam de mesa pra mesa. O garçom, elo de comunicação entre um lado e outro, passeia com maestria conforme o apetite da clientela, sem perder o ritmo. Não, é como se dançasse. Talvez por isso que, entre eles, chamem o espaço de “salão”. A discrição de não interromper uma conversa, por mais convidativo que seja o pedido, requer sensibilidade. 
Melhor matar o tempo com uma piada entre as cozinheiras. Na impossibilidade de tirar aquela, do sorriso bonito, para dançar, a badeja é a companhia perfeita. E o garçom, já de cabelos brancos, a carrega de lá pra cá, desvia do cliente bêbado que tenta chegar ao banheiro, entre giros e passos rápidos, desafia a lei da gravidade.
No Bar Mignon, “cachorro quente desde 1925”, uma dificuldade a mais: o movimento do Calçadão e seus vendedores ambulantes atravessa as mesas. Mas os chopes chegam aos clientes, com os devidos 3 dedos de espuma. O atendimento também varia conforme o cliente, que pode até não ter sempre razão, mas está sempre certo. Enquanto o sujeito de terno só quer comer o mais rápido possível enquanto mexe freneticamente no celular, talvez a figura solitária do outro canto queira contar de um certo pé na bunda.
Quando ele passa mais perto, descubro seu segredo para não perder o compasso: baixinho, ele canta uma música do Jorge Ben.

(Vino , Bar Mignon. 09/10/13)

Quatro Espiadas


Haviam três velhos na mesa. Um deles fumava e dois outros falavam. De um lado, uma banca vazia, do outro, a rua. Passava por eles e eles continuavam lá. O cigarro, a fala e a mesa.
Haviam dois velhos na mesa. A rua se enchia e a conversa aumentava. Continuava a mesa e continuava a banca vazia. O cigarro se apagou.
Havia nenhum velho e nenhuma mesa. Um cliente entrou na banca.
A banca fechou.

(Johann Dakitsch , Bar Mignon. 09/10/13)

Velocidade



O vai e vem é impressionante: pessoas, carros, pombos, ratos. Rápido, rápido! Um chopp apenas para mim, pois não tardo. Ok, talvez mais dois. É preferível beber com uma certa calma. Tudo logo vai-se embora, na sua hora. Demorar no centro da cidade é coisa para os mendigos, viciados e cães abandonados. 
Costuma-se demorar mais nos bares. Eu mesmo ja demorei bastante em bares. Enchia o rabo de álcool até que o bar fechasse, ou me mandassem para fora. Oh não! Não parei com a bebida. Mas já não venho muito para cá. Prefiro o bairro. Onde as construções não se elevam tanto no céu. Lá pode-se enxergar mais longe. Já a visão aqui é pobre. A paisagem mais estéril. A solidão, pesa! Apesar da grande quantidade de pessoas, carros, pombos e ratos apressados.

(Carlé Cadu, Bar Mignon. 09/10/13)

domingo, 13 de outubro de 2013

Alucinações na Rua das Flores



Estamos os 3 aqui no Bar Mignon, minha ironia, meu humor e minha observação, somos a Santíssima Trindade, apenas de olho no que e em quem passa.
Garçom, por favor, um chopp!
Vejo passar o Oil Man e seu parceiro, o que menos me interessa é o que eles são: uma dupla desportista? Um par romântico? Esse meu pensamento é logo distraído por uma espécie de ladainha, mantra, lavagem cerebral, 45-0-21 – Professor Gaudino Professor Gaudino, 45-0-21. Opa! Olha quem está na mesa ao lado, conheci pela costeleta, o ilustrador Fabiano Vianna, se eu fosse menos curitibano, pediria autógrafo. Vou brindar esse fato.
– Garçom, um chopp!
Uma turma de guarda-pó rosa passa distribuindo folhetos, outubro, mês da mulher, prevenção. Vindo da direção contrária, um grande chapéu de fazendeiro, é o Zé, ex-banqueiro, que para e compra um bilhete da Borboleta 13, a Cobrinha, com sua voz irritante, assegura que lhe trará muito dinheiro.
– Garçom, mais um!
Nossa! A Gilda! Ela morreu, deve ser uma sósia. Deve ter uma convenção de sósias, pois vejo a Odelair Rodrigues e a Lala Schneider abraçadas. Logo me distraio com a Maria do Cavaquinho correndo atrás da piazada, com uma vara. Olha lá o cara mais chic da cidade, o negro Bataclan, passando com suas polainas, chapéu e bengala.
Não acredito! Ali, todo sorridente, o Ildefonso, vulgarmente conhecido como Barão do Cerro Azul.
Acho bom parar de beber. Estômago vazio, estou vendo coisas.
– Garçom, a conta.... ou melhor, uma porção de fritas... ah, e mais um chopp.

(Fernando Nolasco, Bar Mignon. 09/10/13)

sábado, 12 de outubro de 2013

Pão com vina, chope e...


Nas notícias que exibem a Boca Maldita jamais alguém mencionava os preços. Distraído, o Afonso não percebeu que estava com pouco dinheiro. Ao passar pelo Bar Mignon esticou o olhar para uma das mesas. O chope preto e o cachorro-quente pareciam saltar na direção do rapaz faminto e sedento.

Quanto custa um "pão com vina? " perguntou ao garçom de óculos e camisa vermelha. 
R$5,80! - foi o que ouviu como resposta.
E um chope preto?

R$8,00, cara! ouviu.

Na carteira, o rapaz tinha apenas R$10,00. Então, depois de mais de duas horas, olhou para o garçom e perguntou:
Escuta, meu amigo, aceita R$10,00 pelo ranguinho e uma lavada dos pratos?
E o garçom, acostumado aos casos semelhantes apontou a direção da cozinha do Bar Mignon.

(Doralice Araújo, Bar Mignon. 09/10/13)

Festa no playground de marginais


A noite de hoje está civil, mas ontem passei por aqui, pelo mesmo lugar, com a adrenalina a milhão. Roubaram um escritório de advocacia no 17º andar do prédio comercial onde eu acompanhava a feitura de uma tatuagem de uma amiga. Ela, feliz com o resultado, que emula uma pulseira “meio indiana, meio tibetana”, nas palavras do tatuador, se orgulhava pelo fato de que a partir de agora raramente precisará adornar o braço direito para chamar atenção. Dado o contexto do que acabara de acontecer andares acima, acho melhor mesmo que ela não se exponha muito por aqui.
Duvido que alguém suba até o 17º para estourar uma porta, esfaquear alguém e roubar um lugar sem ter certeza de que lá tem coisa. A propósito, o porteiro não estava no posto quando chegamos ao térreo, mas não sou o Sherlock Holmes, ou, não sou homem cujas suposições mereçam atenção. Ligo os pontos por ordem do acaso, mas quase nunca compreendo os resultados que me vêm às mãos.
O fato é que os dramas de ontem pingam nos de hoje, como sempre. Mesmo quando pingam sangue.

(Marco Antonio Santos, Bar Mignon. 09/10/13)

Entre os lábios e a faringe


Cada peti pave é um passo apressado no coração do Centro da cidade dos pinhões que fazem calçadas. Que de mignon, ao lado do luminoso quente de placa com pastor alemão, na boca sem sorriso da Boca Maldita, não passa de coxão mole, talvez fraldinha. No máximo, cafetões com putas pobres sem dente, sorriso falso do velho falso rico advogado falido que lustrou os sapatos com o menino pobre na manhã de nojo, naquele café sujo, logo ali, na boca do brilho. Onde está sua língua, Boca Maldita? Não, você não forma mais opiniões. Cada mendigo louco embriagado de crack são suas aftas: ferida aberta e dolorosa, fazedora do câncer que matou seus pensadores com fumaça de cachimbo. CURITIBA: sua boca derreteu seu cérebro, sua boca cobra R$10 por um boquete, sua boca fuma Classic a R$1 comprado em terminais formigueiros de gente, sua boca engole seco o sopão dos caridosos nas noites de 0 grau.
Nem doses e próteses dentárias te farão curar. Seu lábio rachou entre esquerdas e direitas infundadas, exalam a podridão do hálito das loiras topetudas madames fúteis que já não te frequentam mais, das que te trocaram por shoppings centers. Bon Appétit, sua vaca! (seu espetinho de gato tá na mesa).

(Bruna Alcantara, Bar Mignon. 09/10/13)

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Antes um pássaro na mão do que dois voando


Duas senhoras conversam numa mesa pequena e afastada de um "restô" com ares rústicos. Tomam café enquanto aguardam os pedaços fartos de torta chegarem à mesa.
Ambas são bem vestidas. Blusas de cetim, óculos de grife apoiados, num descaso planejado, no topo da cabeça. Bolsas de couro (não há como saber se é falso). Articulam sobre exploração animal.
 É um absurdo. Como podem maltratar os bichinhos de um jeito tão cruel?
 Acho que nós temos que mudar isso.
Discutem mais um pouco, em tom grave. O que se pode ver é que parecem armar um plano. A garçonete chega com as tortas, ouve um pouco da conversa e reprime um sorriso irônico.
Assim que terminam saem decididas, olhares firmes. Quem sabe vão fundar uma ONG, penso. A garçonete me olha, anda até minha misa e diz: 
– Elas acabaram de tomar um café feito do cocô de passarinho.
Bom... O que vale é a intenção. Não?

(Marina Yoshimi, Mercado Municipal. 05/10/13)

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Não há crime onde vende damasco

Gosto de comprar frutas cristalizadas no Mercado Municipal. Hoje o movimento está caótico por causa de um festival de degustação de cachaça chamado “Cacharitiba”.
Aceito sabor canela e caminho em direção ao meu armazém favorito – Zelma. Casa do Bacalhau. A placa, com um simpático peixe desenhado, acompanhado do ícone Box 28 e o fone – antigo, ainda com três dígitos antes do hífen.
Peço duzentos gramas de damascos.
Mantenho o ritual de família, pois meu avô também só comprava aqui. Frutas, pinhões e bacalhau.
Reparo num rapaz com a esposa dentro da loja. Ela, euforicamente, serve-se de castanhas e ele carrega um livro do Raymond Chandler – Não há crime nas montanhas.
Adoro este livro.
Reparo bem no rosto do rapaz e para mim, parece entediado. Como se preferisse estar em outro local. Talvez sob a luz pacata de um abajur, lendo seu livro policial. E ajuda a mulher com as sacolas. Responde sobre o preço quando ela pergunta.
Talvez ele, assim como eu, gostaria de viver uma aventura detetivesca. Mas onde há damascos, não há crimes.
De detetive, só tenho o instinto e memória fotográfica.
O homem pega o pacote e sai ao lado da esposa. Seu andar de suspensórios é lento e pesado. Ele está muito mais para Watson, do que para Sherlock. Muito menos Dupin do que Allan Poe. E um gato preto o espera do lado de fora do Mercado.
Acena sim, com a cabeça, para a esposa que fala bastante. Somem na multidão que inunda os corredores.
A vida real é muito mais chata que um thriller pulp – penso isso às vezes. Mas ao menos, existem os damascos.

(Fabiano Vianna, Mercado Municipal. 05/10/13)